No último dia 05 de outubro estreou nos cinemas brasileiros ”Mussum, O Filmis”, longa que conta a trajetória do comediante Antônio Carlos Bernardes Gomes, nome de batismo de Mussum.

Dirigido por Silvio Guindane, e roteiro de Paulo Cursino, o longa-metragem estrelado por Aílton Graça conta a história do garoto pobre do subúrbio carioca, e seu sonho em ser jogador de futebol. Sonho este contestado por sua mãe, Dona Malvina (a princípio interpretada por Cacau Protásio e mais tarde por Neuza Borges) que ao contrário do filho, sonha em vê-lo seguindo carreira no serviço militar.

O Samba na vida de Mussum
Ainda garoto, Antônio Carlos (Carlinhos) demonstra amor pelo samba, e em sua juventude enquanto prestava ao serviço militar, frequentava as rodas de samba das noites cariocas tocando reco-reco em um grupo de pagode. Tudo isso, escondido de sua mãe.
No samba, as coisas começam a dar certo, e o grupo do qual faz parte recebe uma oferta irrecusável.
No entanto, o jovem segue firme e forte no serviço militar (para o orgulho de sua mãe) terá que conciliar as agendas, haja visto que no samba ele começa enfim a ganhar dinheiro, e seu grupo começa a ganhar visibilidade.
É justamente nesse ambiente onde nomes como Elza Soares e Jorge Ben, que anos mais tarde passaria a se chamar Jorge Ben Jor, embalam as noites cariocas com seus espetáculos regados ao verdadeiro “samba raiz”.

Após deixar o serviço militar, Antonio Carlos (Carlinhos) aposta sua fichas em sua carreira como integrante do grupo Os Originais do Samba, porém o destino lhe reserva uma grata surpresa ao ser escalado às pressas para atuar ao lado de Grande Otelo (Nando Cunha), que por sua vez lhes chama pela primeira vez de “Mussum”.
O carisma, e o talento do jovem “Mussum” começam a falar mais alto, e sua veia humorística começa a chamar a atenção. A princípio, através do olhar clínico de Chico Anysio (Vanderlei Bernardino), que o convida para integrar um novo quadro humorístico chamado “A Escolinha do Professor Raimundo”, e mais tarde ele (Mussum) integraria um novo time de humoristas chamado Os Trapalhões, grupo criado por Renato Aragão (Gero Camilo), ao lado dos também humoristas Dedé Santana (Felipe Rocha) e Zacharias (Gustavo Nader).
Ao lado dos Trapalhões, Mussum alcançou fama nacional e o programa se transformou em um dos maiores fenômenos da televisão brasileira.

Análise:
Em um clima cuidadoso e sutil, o filme conduz com maestria as três fases do personagem, relatando desde sua infância pobre, passando pelo sucesso como integrante de um grupo de samba, bem como a consagração como grande humorista, que lhes rendeu a fama merecida.
Dessa forma, um dos grandes acertos em Mussum, o Filmis, está na sensibilidade do diretor ao mostrar através de sua lente, a vida alegre de um cara cheio de positividade, que acreditava em seu sonhos, e que trazia consigo uma generosidade gigante, além do amor exemplar de um filho por sua mãe.
Numa jogada de mestre, o longa conduz de forma certeira o telespectador a dois mundos completamente diferentes. Ao mesmo tempo em que sorrimos com cenas escrachadas, nos emocionamos com o lado humano de um ser humano incrível, dono de uma sensibilidade ímpar, igualada talvez ao seu talento.
Podemos dizer sem sombra de dúvidas que Mussum, é aquele cara o qual costumamos chamar de “gente da gente” ou ainda “um cara gente fina”.

Ambientação:
Bem ambientado, o filme mostra que o Rio de Janeiro de fato é o berço do samba, já que o mesmo também acerta o alvo quando o assunto é trilha sonora. Aliás, é maravilhoso ouvir e poder conhecer um pouco do que foi o samba raiz. Aquele feito por gente simples, em ambiente simples, cujas letras lidavam com assuntos do cotidiano, ou simplesmente conotações voltadas ao humor, caso da sensacional “Tragédia no Fundo do Mar (O Assassinato do Camarão)”, gravada em 1970 pelo grupo Os Originais do Samba, presente no disco “É De Lei” (1970), numa época onde compositores e composições falavam a mesma língua, onde os artistas vivenciavam as dificuldades de entrar numa gravadora, e gravar um disco.
Além disso, mostra também o envolvimento de Mussum com sua escola de samba do coração, Estação Primeira de Mangueira, sua amizade com Alcione, e suas ações beneficentes para as crianças carentes do Morro da Mangueira.

Entrega ao personagem:
Além de Ailton Graça, o personagem foi interpretado por outros dois excelentes e extraordinários atores: Thawan Lucas e Yuri Marçal. Enquanto Yuri interpretou a fase “criança”, Yuri foi o responsável por interpretar a fase jovem do humorista.
Porém, é inegável a importância da interpretação de Ailton Graça na pele do personagem principal, onde palavras não são o bastante para definir sua brilhante atuação.
Em uma atuação onde o personagem se funde com o ídolo, é possível dizer que o nível de interpretação atinge o ápice ao fazer com que o telespectador olhe para a tela e esqueça completamente do intérprete, passando a enxergar nele apenas e tão somente o personagem principal.

Origem do ator:
Coincidentemente, Ailton Graça, assim como Mussum, veio de família pobre.
Filho de uma dona de casa e um porteiro de hospital, trabalhou como camelô e foi criado em Americanópolis, periferia da grande São Paulo.
Foi ambulante, fiscal de lotação, trabalhou em feira e como vendedor de loja de sapatos, até passar no concurso para contínuo do Hospital do Servidor Público Estadual, onde havia um projeto de lazer para pacientes, criado por alguns atores da Escola de Artes Dramáticas.
Também como seu personagem Mussum, Ailton, é um apaixonado por carnaval, sendo ele sambista, mestre-sala, bailarino, e animador cultural.
Ainda ligado ao carnaval, foi coreógrafo da comissão de frente e mestre-sala das escolas de samba Gaviões da Fiel e União Independente da Zona Sul, e em 2002, foi Mestre-Sala da X-9 Paulistana.

Mensagem sem apelações e/ou vitimismo:
Diferente do que costumamos ver nos dias atuais, Mussum, o Filmis traça um caminho paralelo a tudo que envolve o apelo desnecessário.
Longe do vitimismo, o longa se preocupou em contar a verdadeira história de um homem negro, pobre, morador de uma comunidade, mas que em nenhum momento se colocou como vitima ao olhar pra sua pele, e para sua condição social.
Sendo assim, ao invés de implorar por audiência usando o vitimismo como marketing, o diretor Silvio Guindane, foi sucinto, cirúrgico e genial, oferecendo ao telespectador a verdadeira história de um homem que venceu obstáculos, e que sempre soube que no Brasil, as dificuldades e as desigualdades atingem todas as raças e todas as cores.

Considerações finais:
Por fim, Mussum é uma daquelas cinebiografias lapidadas, e conduzidas com muito cuidado, oferecendo ao telespectador uma história repleta de beleza, encantos, sorrisos e de emoções, mostrando além de uma bela história, o nascimento de um personagem. E porque não dizer, o nascimento de uma lenda.
Cotação: Excelente
N do R: Em tempos onde o vitimismo virou uma espécie de marketing, “Mussum, o Filmis” chama a atenção por seu formato sério, maduro e honesto, se desprendendo de qualquer apelação, haja visto tratar-se de um filme sobre um cara negro, pobre e que saiu da favela.
Redigido por Geovani “Gigio” Vieira.

Ficha Técnica:
Título Mussum: O Filmis (Original)
Ano produção: 2023
Roteiro: Paulo Cursino
Data de estreia: 02 de Novembro de 2023 ( Brasil )
Duração: 116 minutos
Gênero: Humor, Biografia, Documentário, Nacional
Elenco:
Ailton Graça, Cacau Protásio, Christiano Torreão, Cinara Leal, Felipe Rocha, Gero Camilo, Gustavo Nader, Jeniffer Dias, Késia Estácio, Neusa Borges, Remo Rocha, Thawan Lucas, Vanderlei Bernardino, Yuri Marçal, Nando Cunha